Reverendo Paulo César Lima
Dizer alguma coisa, conquanto seja
verdade, não elimina o ônus de quem a diz. Por isso ninguém pode pensar que o
fato de falar a verdade o deixa imune às consequências. Isto porque podemos
dizer algo com toda franqueza, sinceridade e ideologia, mas o custo de dizê-lo
é inevitável.
Salomão, rei de
Israel, deixou-nos frase sapiente: “Ouve, filho meu, e sê sábio”. A
sabedoria de um homem não está no discurso impecável que possa fazer, mas no
fato de ele conseguir dominar os seus impulsos e aprender a ouvir. Não
esqueçamos que foi a imensurável sabedoria de Deus que nos fez com uma só boca,
mas com dois ouvidos. “Prontos para ouvir; tardio no falar”, diz o apóstolo.
Não entendendo quem
o estava a chamar, o jovem Samuel reportava-se ao sacerdote Eli. Tal coisa
fazia porque ainda não conhecia a voz de quem lhe chamava: Deus. Uma, duas,
três vezes foi o suficiente para sentir a diferença. Aprontou-se para
sintonizar-se. Ao ouvir a Deus pela quarta vez, responde-lhe apressadamente:
“Fala, Senhor, porque o teu servo ouve!”
Quanta ciência
espiritual há nesta narrativa. Aprendemos que a mudança de hábito é
extremamente funcional em situação de impasse. Em vez do antigo “ouve, Senhor,
porque o teu servo fala”, o “fala, Senhor, porque o teu servo ouve” ajusta-se
perfeitamente aos apelos da coerência e da discrição.
A essa altura, não
seria lugar comum dizer que precisamos ouvir mais a voz de Deus do que as vozes
dos homens. Todavia, eu penso que o ideal é conseguirmos ouvir a Deus nas vozes
humanas, sobretudo nas dos pobres, para não criarmos ainda mais espiritualidade
individualista. Melhor é conseguir ouvir os homens, sem preconceito, como Deus nos
ouve. Ouvir, sempre ouvir, até que aprendamos a arte de ouvir.
Ouvir é primeiro de
tudo saber calar e isto é mais que autocontrole, é maturidade; é aprender a
viver; é sabedoria.
Acerca do tema não
encontrei nada mais curioso e profundo do que o trabalho do abade francês Josep
Antoine Toussaint Dinouart, datado de 1771, sob o título “A Arte de
Calar” - Silêncio.
1. Só se deve
deixar de calar quando se tem algo a dizer que valha mais do que o silêncio.
2. Não há menos
fraqueza ou imprudência em calar, quando se é obrigado a falar, do que
leviandade e indiscrição em falar, quando se deve calar.
3. É certo que,
considerando as coisas em geral, há menos risco em calar do que em falar.
4. O homem nunca é
tão dono de si mesmo quanto no silêncio: fora dele, parece derramar-se, por
assim dizer, para fora de si e dissipar-se pelo discurso; de modo que ele
pertence menos a si mesmo do que aos outros.
5. Quando se tem
uma coisa importante para dizer, deve-se prestar a ela uma atenção muito
especial: é necessário dizê-la primeiro a si mesmo e, depois de tal precaução,
voltar a dizê-la, para evitar que haja arrependimento quando já não se tiver o
poder de voltar atrás no que se declarou.
6. Quando se trata
de guardar um segredo, calar nunca é demais; o silêncio é então uma das coisas
em que, geralmente, não há excesso a temer.
7. A reserva
necessária para guardar o silêncio na conduta geral da vida não é uma virtude
menor do que a habilidade e a aplicação em bem falar; e não há mais mérito em
explicar o que se sabe do que em calar o que se ignora. O silêncio do sábio às
vezes vale mais que o arrazoado do filósofo; o silêncio do primeiro é uma lição
para os impertinentes e uma correção para os culpados.
8. Somos
naturalmente levados a acreditar que um homem que fala muito pouco não é um
grande gênio e que um outro que fala demais é um transtornado ou um louco. Mais
vale passar por não ser um gênio de primeira grandeza, permanecendo
freqüentemente em silêncio, do que por louco, abandonando-se à comichão de
falar demais.
9. Mesmo que se
tenha propensão ao silêncio, sempre se deve desconfiar de si mesmo; e, se
houver muita paixão em dizer uma coisa, este será um motivo suficiente para
decidir não a dizer.
10. O silêncio é
necessário em muitas ocasiões, mas é preciso sempre ser sincero; podem-se reter
alguns pensamentos, mas não se deve camuflar nenhum. Há maneiras de calar sem
fechar o coração; de ser discreto sem ser sombrio e taciturno; de ocultar
algumas verdades sem as cobrir de mentiras.
Concluo esta reflexão dizendo - como
já o fiz acima - que a maturidade e a sabedoria de um homem acontecem quando
ele aprende a ouvir - a arte de calar.
Retirado de http://rev-paulocesarlima.blogspot.com.br/
3 comentários:
E só agora tu escreves um texto desses. Após um turbilhão de coisas ditas que proporcionou um alívio interior. Contesto: Até que ponto calar-se é mais relevante do que expor aquilo que te sufoca? Acredito que falar provoca dores, mas traz crescimento. Cura! (...já estou eu de novo discordando e gerando polêmica...afff.)
Eu tenho um amigo que nunca quer calar. Ele gosta de falar e falar, uma boa pessoa, agora ele tem um cão com pulgas, deve comprar Frontline, que eu acho que é o melhor, mas ele fala muito e eu não sei se ele me ouviu.
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