quarta-feira, 17 de abril de 2013

A ARTE DE CALAR!




Reverendo Paulo César Lima

Dizer alguma coisa, conquanto seja verdade, não elimina o ônus de quem a diz. Por isso ninguém pode pensar que o fato de falar a verdade o deixa imune às consequências. Isto porque podemos dizer algo com toda franqueza, sinceridade e ideologia, mas o custo de dizê-lo é inevitável.
Salomão, rei de Israel, deixou-nos frase sapiente: “Ouve, filho meu, e sê sábio”. A sabedoria de um homem não está no discurso impecável que possa fazer, mas no fato de ele conseguir dominar os seus impulsos e aprender a ouvir. Não esqueçamos que foi a imensurável sabedoria de Deus que nos fez com uma só boca, mas com dois ouvidos. “Prontos para ouvir; tardio no falar”, diz o apóstolo.
Não entendendo quem o estava a chamar, o jovem Samuel reportava-se ao sacerdote Eli. Tal coisa fazia porque ainda não conhecia a voz de quem lhe chamava: Deus. Uma, duas, três vezes foi o suficiente para sentir a diferença. Aprontou-se para sintonizar-se. Ao ouvir a Deus pela quarta vez, responde-lhe apressadamente: “Fala, Senhor, porque o teu servo ouve!”
Quanta ciência espiritual há nesta narrativa. Aprendemos que a mudança de hábito é extremamente funcional em situação de impasse. Em vez do antigo “ouve, Senhor, porque o teu servo fala”, o “fala, Senhor, porque o teu servo ouve” ajusta-se perfeitamente aos apelos da coerência e da discrição.
A essa altura, não seria lugar comum dizer que precisamos ouvir mais a voz de Deus do que as vozes dos homens. Todavia, eu penso que o ideal é conseguirmos ouvir a Deus nas vozes humanas, sobretudo nas dos pobres, para não criarmos ainda mais espiritualidade individualista. Melhor é conseguir ouvir os homens, sem preconceito, como Deus nos ouve. Ouvir, sempre ouvir, até que aprendamos a arte de ouvir.
Ouvir é primeiro de tudo saber calar e isto é mais que autocontrole, é maturidade; é aprender a viver; é sabedoria.
Acerca do tema não encontrei nada mais curioso e profundo do que o trabalho do abade francês Josep Antoine Toussaint Dinouart, datado de 1771, sob o título “A Arte de Calar” - Silêncio.
1. Só se deve deixar de calar quando se tem algo a dizer que valha mais do que o silêncio.
2. Não há menos fraqueza ou imprudência em calar, quando se é obrigado a falar, do que leviandade e indiscrição em falar, quando se deve calar.
3. É certo que, considerando as coisas em geral, há menos risco em calar do que em falar.
4. O homem nunca é tão dono de si mesmo quanto no silêncio: fora dele, parece derramar-se, por assim dizer, para fora de si e dissipar-se pelo discurso; de modo que ele pertence menos a si mesmo do que aos outros.
5. Quando se tem uma coisa importante para dizer, deve-se prestar a ela uma atenção muito especial: é necessário dizê-la primeiro a si mesmo e, depois de tal precaução, voltar a dizê-la, para evitar que haja arrependimento quando já não se tiver o poder de voltar atrás no que se declarou.
6. Quando se trata de guardar um segredo, calar nunca é demais; o silêncio é então uma das coisas em que, geralmente, não há excesso a temer.
7. A reserva necessária para guardar o silêncio na conduta geral da vida não é uma virtude menor do que a habilidade e a aplicação em bem falar; e não há mais mérito em explicar o que se sabe do que em calar o que se ignora. O silêncio do sábio às vezes vale mais que o arrazoado do filósofo; o silêncio do primeiro é uma lição para os impertinentes e uma correção para os culpados.
8. Somos naturalmente levados a acreditar que um homem que fala muito pouco não é um grande gênio e que um outro que fala demais é um transtornado ou um louco. Mais vale passar por não ser um gênio de primeira grandeza, permanecendo freqüentemente em silêncio, do que por louco, abandonando-se à comichão de falar demais.
9. Mesmo que se tenha propensão ao silêncio, sempre se deve desconfiar de si mesmo; e, se houver muita paixão em dizer uma coisa, este será um motivo suficiente para decidir não a dizer.
10. O silêncio é necessário em muitas ocasiões, mas é preciso sempre ser sincero; podem-se reter alguns pensamentos, mas não se deve camuflar nenhum. Há maneiras de calar sem fechar o coração; de ser discreto sem ser sombrio e taciturno; de ocultar algumas verdades sem as cobrir de mentiras.
Concluo esta reflexão dizendo - como já o fiz acima - que a maturidade e a sabedoria de um homem acontecem quando ele aprende a ouvir - a arte de calar.